sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Twitter para quê?



Por Luciana Moherdaui
Nova tecnologia serve mais à publicidade e à autopromoção do que ao trabalho jornalístico
No início da década de 1990, o programador Jack Dorsey, pensando na tecnologia usada para localizar taxistas, se perguntou por que não utilizá-la para encontrar pessoas. Assim nascia a idéia do Twitter. Por ser uma proposta baseada no SMS (Short Message Service), serviço de mensagens curtas transmitidas por celular, a rede, porém, só foi criada em 2006, após Dorsey convencer Evan Willians, desenvolvedor do Blogger (da Google) e diretor de criação Biz Stone a ajudá-lo nessa empreitada.
Com a mesma lógica dos SMS, o Twitter opera com notas de 140 caracteres. Esse é o limite para que, conectadas ao serviço, as pessoas respondam à seguinte questão: "What are you doing?" (O que você está fazendo?) e possam ser acompanhadas ("seguidas", no jargão do serviço) por qualquer um, independentemente de conhecerem os seus seguidores, explicou Dorsey em entrevista ao caderno "Link", de "O Estado de S. Paulo", em março passado.
Essa fórmula fez o Twitter passar de 9,8 milhões de visitantes em março de 2008 a 19 milhões em março deste ano, apenas nos Estados Unidos. Isso representa um crescimento de 131%, segundo dados da TechCrunch.
Não é sem razão que a plataforma tem sido amplamente utilizada para transmitir eventos ao vivo por empresas de comunicação. A rede de tevê americana CNN criou uma conta no site para destacar sua grade de programação. Inspirados em feeds, os jornalistas do "Wall Street Journal" receberam a incumbência de escrever notas curtas, claras e objetivas para um público que tem pressa de receber informações: profissionais do mercado econômico.
Mas nisso tudo há um porém: guardadas as restrições tecnológicas, quem disse que o Twitter foi pensado para fazer coberturas jornalísticas em tempo real? Se os criadores admitem terem baseado o serviço no SMS por conta de infraestrutura de rede, ainda que Dorsey o chame de rede de notícias, que tal pensar o microblog a partir de uma perspectiva menos institucionalizada?
Não é mais uma novidade o fato de Twitter ter se tornado um ambiente de marketing e autopromoção. De olho na estrondosa audiência que posta mensagens diariamente, milhares de empresas se apropriaram da ferramenta para vender seus produtos, sobretudo os conglomerados de mídia. O capital simbólico do Twitter é a popularidade das pessoas.
Talvez isso explique o contrato publicitário firmado entre a Telefônica e o jornalista Marcelo Tas. Com mais de 32,5 mil seguidores, Tas divulga em seu perfil o Xtreme, serviço de TV fechada, internet e telefone por fibra ótica da empresa espanhola. O jornalista também indicará filmes e palestras com a tag identificadora do serviço.
Essas ações colocam em xeque a função das redes sociais, ainda que Dorsey rejeite esse rótulo. Em tese, elas foram criadas a partir da lógica da web 2.0, segundo a qual o usuário não somente interage, mas publica e modifica o conteúdo. Entretanto, conforme o tráfego aumenta por causa do número de pessoas conectadas, da troca de informações e do compartilhamento de links, o espaço começa a ser loteado por companhias interessadas em prospectar negócios com base em perfis sociais.
Redes e rebanhos
A razão de as redes sociais serem administradas por poucos faz parte da lógica capitalista e, de certa forma, o Twitter representa esse modelo. Biz Stone, um dos co-fundadores do microblog, disse em entrevista ao "The Daily Telegraph" que pretende expandi-lo para vender espaço publicitário. "Se esses serviços têm valor para companhias, acreditamos que pagarão por isso. O desafio é adaptar o Twitter às necessidades empresariais", afirmou.
"Obviamente que esse modelo de negócio aplicado às redes sociais está fadado ao fracasso. Por duas razões: não há uma forma eficiente de funcionamento e há muitos não-envolvimentos nessas plataformas", disse Geert Lovink, crítico de internet e ativista de mídia, no debate "Estamos preparados para o público 2.0", realizado no dia 14 de abril, em São Paulo.
No evento, organizado pelo grupo de pesquisa NetArt - Perspectivas Criativas e Críticas, em parceria com a Agência Click, Lovink disse apostar em uma rede social organizada, não pautada por modismos. O pesquisador dividiu a mesa de debates com Ronaldo Lemos, diretor do Creative Commons no Brasil, no auditório do Tuca, onde discutiram as perspectivas da criação artística e da produção de informação no contexto da web 2.0.
Se é verdade que as pessoas que acessam redes como Facebook, Twitter e Orkut formam o que Lovink chama de um movimento de rebanho, ou seja, não têm permanência, passam um tempo e depois migram para outro lugar, como elaborar uma crítica aprofundada que dê conta de mapear modelos de negócios e competências?
Essas questões parecem nortear o debate em torno das plataformas, uma vez que se tornaram uma atividade de centenas de milhares de pessoas, assim como os blogs. Portanto, a análise de competências indicará a função de ferramentas como o Twitter, atualmente explorado como diário pessoal, espaço publicitário e como publicador de conteúdo jornalístico -desde links com matérias de versões on-line e impressa de jornais a coberturas em tempo real.
Esse fervor em torno do microblog levou o jornal inglês "The Guardian" a fazer uma brincadeira com os 140 caracteres permitidos em cada post. Em 1º de abril, o site anunciou que trocaria a impressão pela publicação via Twitter, pondo fim a 188 anos de tradição. O texto afirmava que especialistas garantiram ser possível informar com notas tão curtas.
Só podia mesmo ser piada defender a produção do noticiário a partir de 140 caracteres. Mas a ironia do "Guardian" faz todo sentido e é um recado aos afoitos em usar as redes da moda para fazer jornalismo -e a lição serviu a essa jornalista. Quando foi convidada para "twittar" o evento "Estamos preparados para o público 2.0?", não sabia que o microblog não suportaria mais que 119 postagens por hora.
No calor da discussão sobre uso de redes sociais versus economia, durante a cobertura que eu fazia, apareceu a seguinte mensagem: "Wow, that´s a lot of twittering. You have reached your limit of updates for the hour. Try again later" (Uau, muita "twitação". Você atingiu o seu limite de atualizações por hora. Tente, novamente, mais tarde) Mais tarde? Como? O evento não vai esperar o Twitter liberar o acesso! A solução foi usar um perfil alternativo e transferir o final da cobertura para lá.
Uma semana depois, um novo teste confirmou a mesma limitação. Desta vez, ao alcançar 126 postagens, veio o alerta: "Wow, that´s a lot of Twittering". Fui pesquisar nas configurações do Twitter para verificar se havia informação sobre esse tipo de restrição. Mas não havia nada. Há apenas links para conhecer o microblog, as políticas de privacidade e indicações de como usá-lo.

Outra prova de que o serviço não suporta muitos acessos aconteceu quando o programa "Fantástico" anunciou seu Twitter, registrou 3 mil seguidores e, às 23h55 do dia 19 de abril, quando alguém tentou se conectar, recebeu o seguinte aviso: "Twitter is over capacity" (Twitter ultrapassou sua capacidade).
Isso leva à seguinte conclusão: o Twitter não foi feito para fazer jornalismo como se deve, nem tampouco coberturas ao vivo, como jogos de futebol, Carnaval ou desastres. O template simplesmente não suporta. Esse formato nos remete ao início da web, ou seja: texto + links. Pois é apenas o que se pode fazer. Por diversas razões, destaco as que me incomodaram mais:



1) Não é possível editar. Ou seja, se você errou vai ficar errado, a não ser que apague a mensagem e a publique novamente.
2) Há um limite para notas postadas em um dia (no meu caso, foram 119).
3) O total de caracteres permitido (140) não dá suficientemente para um lide jornalístico.
4) A organização da cobertura vira uma bagunça, porque no meio da lista surgem posts de pessoas ligadas ao seu perfil, com assuntos desconectados, e isso "trunca" a informação.
A resposta pode estar na pergunta que Abel Reis, presidente da Agência Click, lançou à mesa, no debate em que eu fazia a cobertura via o microblog: "O Twitter é uma forma de impulso confessional?". Ou seja, a função do microblog é apenas a de reproduzir o cotidiano das pessoas? No limite, pode ter um propósito de autopromoção (individual e empresarial), mas como espaço para jornalismo tem implicado em consequências desastrosas.
Talvez o momento, agora, não seja de pensar apenas plataformas para o exercício jornalístico, mas sim refletir sobre uma outra questão levantada por Lovink, que diz ser necessário repensar o conceito de notícia. "O que é notícia para as redes sociais?", pergunta o crítico de internet. A pergunta pode ficar aqui como lição de casa para nós, jornalistas, que não deixamos passar nenhum hype da cultura de rede. Embarcamos em todos. Mesmo que seja para chegar a lugar nenhum.
link-se
Twitter - https://twitter.com/lmoherdaui
Twitter - http://twitter.com/netart_studies
Guardian - http://www.guardian.co.uk/media/2009/apr/01/guardian-twitter-media-technology
Wall Street Journal - http://online.wsj.com/article/SB123741800551177861.html
The Daily Telegraph - http://blogs.telegraph.co.uk/amanda_andrews/go/tag/view/all/Biz%20Stone
TechCrunch - http://www.techcrunch.com/2009/04/24/twitter-eats-world-global-visitors-shoot-up-to-19-million
Link - http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=15433
Geert Lovink - http://networkcultures.org/wpmu/geert/
Blog do Tas - www.marcelotas.blog.uol.com.br
Blogger – http://www.blogger.com
Estamos preparados para o público 2.0? - http://net-trends.ning.com
Agencia Click - www.agenciaclick.com.br/
Publicado em 10/5/2009
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Luciana MoherdauiÉ doutoranda na PUC/SP em Processos de Criação nas Mídias, autora do "Guia de Estilo Web" (Senac, 1999), primeiro do gênero no país, e do blog "Contra a Clicagem Burra" (http://www.contraaclicagemburra.blogspot.com/). Foi bolsista do UOL Pesquisa em 2008 e participou da criação do Ig e do Último Segundo.

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